A alimentação e a gastronomia tomaram lugar central na vida em sociedade e na economia neste início de século XXI. Neste sentido, discute-se o modelo alimentar vigente e sua sustentabilidade no longo prazo, da mesma forma que está se discutindo a alimentação como uma prática cotidiana que pode promover o bem-estar e evitar o aparecimento de doenças e, desta forma, minimizar os gastos públicos na área da saúde.
Pode parecer estranho trazer este questionamento para um artigo em uma revista de negócios, mas a realidade é que estes movimentos já geram novos modelos de empresas que exigem novas soluções de logística, distribuição e comercialização de produtos e colocam os desafios para a construção de uma nova cadeia de suprimentos especialmente desenvolvida para estes modelos inovadores no setor da alimentação fora de casa. Muitos destes novos modelos têm como pilares o uso de produtos regionais e saudáveis e a sustentabilidade na sua concepção mais ampla, que envolve a proteção do meio ambiente e relações econômicas mais justos. A agricultura familiar, os pequenos produtores regionais e a produção orgânica são excelentes exemplos destes modelos.
A preferência por insumos de pequenos produtores já é traço de alguns chefs de restaurantes premiados de São Paulo, como Gabriela Barreto, do Restaurante Chou e do Futuro Refeitório, Ivan Ralston, do Tuju e Helena Rizzo, do Maní.
A interação e o intercâmbio entre chefs, cozinheiros e produtores rurais está sendo popularizada com ajuda de eventos como o festival gastronômico “Sabores da Terra”, que em dois anos já passou por seis cidades, e objetiva a valorização da gastronomia regional, e o seminário Fru.to, de Alex Atala, que apresenta uma série de discussões sobre fortalecimento da cultura alimentar local e proteção dos camponeses e da diversidade de alimentos. Estes eventos procuram reconectar a população urbana à produção do alimento, evidenciando sua origem e outras vezes sua ocorrência nos ecossistemas naturais do nosso país.
A compra de produtos locais traz vantagens, como maior frescor do produto, maior conhecimento da fonte produtora e, por isso, maior certeza de sua qualidade. Este comércio dá incentivo à economia local e à agricultura familiar, mas a sustentabilidade de produtores locais, no entanto, é complexa e desafiadora, envolvendo várias dimensões e necessita da articulação de agentes públicos e privados.
Segundo o Portal do Agronegócio, apesar de programas de renda mínima e aposentadoria rural, as condições de vida da maioria dos pequenos produtores ainda são precárias, carecendo de acesso à educação, saúde, cultura, infraestrutura, ofertas para as quais o papel do Estado é fundamental.
A atividade de pequenos produtores não é economicamente viável para produções que envolvem a necessidade de grandes áreas e mecanização e que dependem, entre outros fatores, de capital, tecnologia e grandes volumes. Mas a produção de frutas e verduras, por outro lado, mais intensiva em mão de obra, pode gerar uma receita (por unidade de área) superior à produção de grãos, trazendo melhores resultados aos pequenos produtores.
Segundo o Estado de São Paulo, produtores em vários pontos da serra da Mantiqueira têm fama por seus bons produtos, principalmente hortifrutis variados e produtos orgânicos, derivado da combinação entre clima, terra e fontes naturais de água. Nos últimos anos, o fortalecimento da relação entre produtores e chefs, unido à migração de pequenos empreendedores das metrópoles para a zona rural levando informação e tecnologia de produção, aumentaram a oferta de itens artesanais de maior valor agregado (como azeite, cerveja, queijo, chá e até sorvete) e tem difundido a região e a qualidade de seus produtos.
Um dos obstáculos à economia da maioria dos pequenos produtores é a falta de acesso à tecnologia (e ao conhecimento para usar essa tecnologia), como equipamentos adequados e sementes de alta qualidade. Para vencer esse obstáculo, o Governo do estado de São Paulo, no início desse ano, forneceu via Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável Microbacias II, equipamentos, veículos e insumos a cinco entidades de Mirandópolis:
- Acesso ao Mercado a Cooperativa Agrícola da Fazenda Aliança (Cafa);
- Associação Comunidade Yuba (Yama);
- Associação Retiro dos Produtores Rurais do Assentamento Florestan Fernandes (Arpraff);
- Associação dos Produtores Hortifrutigranjeiros de Mirandópolis (APHM);
- Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados e Pequenos Produtores da Região Noroeste do Estado de São Paulo (Coapar).
O investimento deverá aumentar em até 38,6% a lucratividade de 180 agricultores.
Outro obstáculo à atividade econômica dos pequenos produtores locais é a necessidade de comercialização em mercado spot, que sujeita o produtor a grandes oscilações nos preços de venda dos produtos. Para melhorar essas condições, é possível explorar a compatibilidade que existe entre o modo de produção de agricultura familiar e os mercados que operam com preços superiores aos concorrentes, como produtos certificados, seja por algum atributo funcional, de pureza ou de processo. Um exemplo desses produtos são os orgânicos, que estão em evidência nos últimos anos.
O comércio de alimentos orgânicos existe em três formas: direta, indireta e mista. O comércio direto é feito com o produtor via entregas a domicílio, venda feita na própria propriedade do produtor ou feiras; um exemplo é a Feira Viva, no Parque da Água Branca, que se baseia nos conceitos de regionalidade, meio ambiente, gastronomia e empoderamento do produtor rural, e exibe produtos escolhidos por apelo regional e identidade única. Há também feiras no parque Burle Marx e no clube CERET, na Zona Leste.
O comércio Indireto pode ser feito via supermercados, atacado, lojas especializadas ou distribuidoras independentes, das quais alguns exemplos são:
- A Quitandoca, aberta em fevereiro de 2016, como um projeto de venda de produtos orgânicos e agroecológicos da agricultura familiar, que pensa em maneiras colaborativas de frete, assistência técnica e criação de grupos formais e informais de agricultores;
- O instituto chão, que é uma associação sem fins lucrativos que comercializa legumes e verduras de mais de trinta produtores;
- O Instituto Feira Livre, no centro, que também não tem fins lucrativos e vende hortifrútis certificados, produtores da própria cidade de São Paulo, entre outros.
- O Mercado Aldeia, em Moema, que é um o misto de café, restaurante e mercado com hortifrútis orgânicos dos estados de São Paulo e Minas Gerais.
Mas nem todas as questões são econômicas. É necessária atenção às exigências básicas de preservação de recursos naturais, bem como redução do consumo de recursos em geral e reciclagem de materiais ou resíduos.
Um caso de fazenda ambientalmente adequada é a Fazenda da Toca. Sendo um dos principais fornecedores do Maní, a Toca investe em pesquisa e desenvolvimento de sistemas agroflorestais em larga escala como forma de garantir a regeneração do solo, do clima e do ecossistema ao seu redor. Além disso, a fazenda aplica em sua própria infraestrutura um sistema completamente integrado e autossustentável: reaproveitando os resíduos de uma produção como compostos e fertilizantes para outras.
A preservação de recursos naturais envolve a identificação de ecossistemas na região e levantamento das limitações às atividades agropecuárias, por meio de um zoneamento econômico e ecológico. O principal foco é a preservação de matas ciliares e nascentes, controle do despejo de resíduos em rios e lagos, prevenção da erosão e controle da emissão de gases de efeito estufa.
Para se atingir um crescimento sustentável da agricultura familiar e de pequenos produtores é necessário identificar os nichos mais rentáveis para pequenos produtores e as ações necessárias para a adequação da produção a necessidade destes novos negócios inovadores.
Outra ação que ajudaria muito a desenvolver os produtores locais e os pequenos produtores artesanais seria a simplificação do processo burocrático para a obtenção de licenças e selos exigidos para a comercialização de produtos de origem animal ou industrializados. O episódio polêmico envolvendo a Chef Roberta Sudback que culminou com uma autuação e a apreensão e destruição de produtos numa operação do Rock in Rio é um excelente exemplo da dificuldade dos produtores regionais conseguirem atender exigências dos órgãos de Vigilância Sanitária e do Ministério da Agricultura.
Todas estas iniciativas e questionamentos evidenciam que já existe uma grande movimentação para construir uma cadeia de suprimentos mais sustentável, econômica e socialmente mais justa e com produtos de maior qualidade para atender à demanda dos novos negócios inovadores desenvolvidos pelos empreendedores gastronômicos. E o fenômeno é mundial.
Texto: Eduardo Scott Franco de Camargo
* Eduardo Scott Franco de Camargo é consultor especializado em gestão na área de alimentos e bebidas, estruturação de projetos e negócio gastronômicos, desenvolvimento de cadeia de suprimentos para negócios de alimentação.
Participou de projetos como as áreas de hospitalidade do Allianz Park , o Futuro refeitório, a Z Deli sanduíchesm a Rotisseria Mesa3 e o Chá Chá, e de eventos como a Copa do Mundo Fifa 2014 e a Copa das confederações de 2013
Administrador de empresas formado pela FGV com foco em marketing e finanças, especializou-se em Administração de Alimentos e Bebidas na Escola de Hotelaria da Universidade de Cornell e na Escola de Hotelaria de Lausanne, mestre em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero.
Leciona gestão financeira em operações da alimentos e bebidas na pós graduação do Senac SP e Compras na escola de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi. Também ministra cursos independentes na área de gesão de Alimentos e Bebidas na escola de cozinha Wilma Kowesi. É Membro senior da FCSI.
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