Escolher uma profissão envolve uma série de coisas que precisam ser levadas em conta, sendo a principal delas a vocação. Testes vocacionais existem para descobrir onde o futuro profissional terá maior chance de sucesso na carreira e, apesar disso, são pouco buscados hoje em dia. A grande maioria das pessoas observa as profissões mais relevantes ou que estão em alta – algumas vezes por causa da “moda”.
Isso acontece também na área da gastronomia. Aliás, ela é uma das profissões em que mais e mais alunos ingressam nos cursos por causa de “status”. “Ser chef é chic!”, dizem alguns.
Os cursos de gastronomia atuais têm origem nos profissionalizantes de antigamente e sofreram algumas mudanças, inclusive, no nome. O que antes era: “curso profissionalizante de oficial cozinheiro ou meio oficial cozinheiro”, hoje é: “curso tecnológico de gastronomia”.
A mudança ocorreu por causa de certas necessidades do mercado em formar profissionais que precisam ter o mesmo conhecimento que alguns chefs vindos de outros países têm, com o objetivo de trabalhar no mesmo ritmo deles e também entender como a gastronomia fora do Brasil funciona.
Um curso tecnológico forma tecnólogos: profissionais que sabem técnicas, como aplicá-las e como difundí-las. Entretanto, boa parte do conteúdo que fará diferença na hora da “mão na massa” fica de fora por dois principais motivos: o pouco tempo que esses cursos têm para passar todo o conteúdo (apenas dois anos) e o acúmulo de conteúdo dentro desse tempo.
Boa parte dos formandos em tecnologia da gastronomia não tem acesso ao conhecimento real, nem mesmo nos estágios – que servem muito mais para explorá-los na cozinha e que não dão base para aprender e compreender como uma cozinha deve ser gerida. Aliás, esse é um dos principais conteúdos que às vezes fica de fora do curso.
Comparada aos cursos fora do Brasil, a formação profissional do tecnólogo em gastronomia é deficiente. Muitas matérias são vistas quase que sem atenção nenhuma e é muito fácil ver um formando que não sabe, por exemplo, calcular porções ou como se deve armazenar certos alimentos. Isso sem falar em legislação, administração e outros assuntos de extrema importância, que não existem como parte do conteúdo.
Outra diferença é que a maioria dos profissionais que se forma acha que sairá da faculdade como chef de cozinha, quando, na verdade, a faculdade forma cozinheiros. O engano começa a partir do balcão de vendas dos cursos, onde a forma de vender usa a ilusão e não a realidade.
Essa é uma das causas que levam boa parte dos alunos a desistir dos cursos: o que é vendido não condiz com a realidade do dia a dia da profissão.
É claro que houve uma evolução com as mudanças feitas nos cursos profissionalizantes, mas há ainda outras muito mais importantes que precisam ser feitas, a começar pelo tempo do curso. Dois anos não é o bastante, sendo necessários quatro anos para se formar um profissional.
Fora do Brasil, os cursos são de bacharelado (não de formação técnica) e têm duração de quatro anos, com, inclusive, especializações com extensões que podem elevar o tempo de formação em até dez anos – como é o caso daqueles que se interessam em se tornar “Sushi Másters”.
Boa parte dos formandos em tecnologia da gastronomia não tem acesso ao conhecimento real, nem mesmo nos estágios
Na gastronomia, cada conteúdo deve ser ensinado na teoria e na prática, o que não acontece aqui. A maioria sequer vê prática de verdade e, quando está estagiando, passa pela mão de profissionais que colocam os estagiários para fazer os mais variados serviços e pouco ensinam.
Como um formando poderá ser um dia chef se ele não aprendeu a lavar panelas?
Como ele vai comandar uma cozinha e estar preparado para assumir responsabilidades se ele não sabe como fazer a administração de uma?
Como ele vai cobrar dos seus cozinheiros a observação e aplicação das práticas de segurança alimentar se esse conteúdo foi passado no método “relâmpago” dentro do curso? Sendo que isso, às vezes, sequer é transmitido, já que existem cursos que não falam sobre isso de jeito nenhum. Já ouvi, inclusive, a frase: “isso é coisa para nutrólogo ou técnico em segurança” de vários professores.
Outro conteúdo que nem em sonho está nos cursos é nutrição. Como o formando vai, então, combinar alimentos e tornar suas receitas saudáveis?
Entre as diversas mudanças que precisam acontecer no conteúdo dos cursos de gastronomia, essas são apenas algumas das principais que ajudarão a formar profissionais realmente preparados para enfrentar o dia a dia de uma cozinha.
O chef de cozinha é, em sua essência, um cozinheiro e nunca deixará de ser. A posição de chef é conquistada com muito trabalho, treinamentos constantes, estudos e pesquisas que devem ser colocados em prática.
Uma revolução precisa acontecer nos cursos de gastronomia no Brasil, porque deles nascerão profissionais que elevarão a cultura gastronômica brasileira ao reconhecimento internacional, trazendo aos futuros formandos a possibilidade de aprender com grandes mestres e de se tornar um excelente chef.
As faculdades e universidades precisam rever a qualidade do ensino, buscando o equilíbrio entre vender seus cursos e formar bons profissionais. Para isso, conteúdo, teoria e prática precisam ser equalizados no tempo correto, para que os alunos aprendam melhor e saibam o que o mercado de trabalho espera deles. Assim, as faculdades ganham o status que tanto almejam e formam profissionais reconhecidos.
Texto: Marcelo Santos
* Marcelo Santos atuou como chef de cozinha, professor de gastronomia, consultor de alimentos e bebidas e escritor
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