A gastronomia no Brasil tem sido responsável pelo crescimento de vários nichos de mercado. As estantes das livrarias dedicadas à gastronomia estão cheias e a exposição dos títulos, mais privilegiada. Ter 30% do top 10 preenchido por títulos que seguem uma mesma linha comprova o quanto o assunto está na moda no mercado editorial.
Outro exemplo tem a ver com o hábito dos brasileiros e sua relação com a cozinha de casa. Os supermercados, que no início dos anos 80, tinham em média 1.500 itens de alimentação nas prateleiras, têm hoje mais de 8.000 itens.
Na barraca de peixes da feira, onde predominavam tainhas, pescadas e sardinhas, agora encontramos salmões, bacalhau fresco, linguados, lulas e mariscos de diversas procedências.
Muito se deve à abertura das importações, mas, muito, também, ao desenvolvimento da indústria alimentícia brasileira e ao trabalho de uma nova geração de pequenos e médios produtores de artigos para Gastronomia que vêm oferecendo uma série de ingredientes sofisticados ‘made in Brazil’.
Mas, e os cozinheiros? A gastronomia hoje reproduz um estranho cenário onde a profissão ganhou mais importância que o profissional! Por isso se faz necessária uma análise fria do nosso mercado. Tentando deixar de lado as paixões, frases bonitas e lugares comuns, qual é a realidade da gastronomia hoje?
O salário médio de um cozinheiro é de R$ 1.259,00 (dados: Guia de Profissões e Salários da Catho/2015). Os melhores salários ainda estão no eixo Rio de Janeiro – São Paulo, mas há oportunidade em todo o país, especialmente com a recente valorização das cozinhas regionais (gaúcha, amazônica e nordestina, por exemplo) e a exploração de novos ingredientes. A carreira de cozinheiro ainda não é regulamentada no Brasil.
Existem mais de 130 universidades autorizadas pelo MEC a oferecer o curso de Gastronomia, tanto em grau de bacharelado como de tecnólogo.
A maioria é de instituições privadas. Esse dado seria incrível se não levássemos em consideração um importante fato: as instituições de ensino, em sua grande parte, estão em completa dissonância com as necessidades do mercado de trabalho.
Em uma das grandes faculdades de gastronomia do país, a Anhembi Morumbi, os próprios alunos que se encarregavam da limpeza dos fogões e equipamentos utilizados nas aulas. (não sei se o sistema ainda permanece na Instituição).
De 60% a 70% da carga horária é voltada para a parte prática – a grade teórica inclui microbiologia, dietas alternativas e gestão de pessoas, entre outras. Além de os alunos zelarem por seus pertences pessoais, há uma escala semanal que define quem verifica se todos lavaram suas panelas, se os materiais foram guardados e se o lixo foi retirado.
Este fato (absurdo) só corrobora com alguns dados evidenciados pelo MEC há alguns anos. De acordo com o Ministério da Educação há pouco mais de 5 anos, 200 alunos no Rio concluíram a graduação em gastronomia. O número corresponde a apenas 20% dos estudantes matriculados.
Hoje, a educação superior de gastronomia no Brasil ainda não forma profissionais para o mercado de trabalho. A evasão de 80% é uma reação à intensa rotina de trabalho nas cozinhas. E você sabe quanto custa em média uma mensalidade nas faculdades de gastronomia no país? R$1.300. Uma média de 40 reais mais caro que a média salarial da profissão.
Vamos a alguns pontos importantes a se considerar. Para aqueles que permanecem até o final do curso (tendo conseguido pagar as mensalidades), ainda precisam passar por um processo importante: o estágio. Considerado por muitos a porta de entrada para o mercado de trabalho, o estágio deve cumprir a dupla função de iniciação profissional e a possibilidade de capacitação barata para o futuro cozinheiro (caso a empresa acabe por contratar o estudante).
Agora, você sabe quanto é a média de salário para um estagiário de Engenharia de Produção? R$1.436,72 (é um dos mais bem pagos do mercado). E a média de um estagiário em uma empresa de Marketing? R$ 1.030,29. Mas eu não queria dar exemplos de mercados de trabalho tão distantes da gastronomia. Então, quanto você acha que um estagiário da área de nutrição ganha, em média? R$ 635,29. E um estagiário em turismo? R$ 677,80.
E como é na gastronomia? Na sua grande maioria esmagadora, o estágio em cozinhas NÃO É REMUNERADO!!! Em boa parte dos grandes restaurantes, objetos de desejo da maioria dos estudantes, não se paga nada.
Segundo Alex Atala, de cada 100 alunos que passam por sua cozinha todo ano, apenas dois permanecem ali. “A moçada ainda tem uma imagem distorcida da profissão”, diz Atala. “Esquece que, antes de se tornar um chef, é preciso aprender a ser um bom cozinheiro”.
Sem um salário atraente, o iniciante sofre mais um solavanco ao receber a lista de atribuições. Em muitas cozinhas, será dele a missão de descascar batatas, lavar as folhas das saladas e limpar o chão no fim da noite.
São tarefas pelas quais a maioria dos chefs tarimbados já passou antes de liderar uma grande brigada, mas que muitos principiantes não têm o hábito de encarar – nem mesmo em sua própria casa. A maior parte dos estagiários pede demissão logo nos primeiros dias de trabalho. “São raros os que aguentam até a segunda semana”, conta a premiada Roberta Sudbrack.
Fica nítido que a luta por melhorias no mercado de trabalho não faz parte das agendas desses profissionais. E isso é corriqueiro em nosso mercado. Eles estão certos? Não me cabe julgar tal questão.
Esses são os profissionais que colocaram o país nas mais altas esferas da gastronomia mundial. Nomes que estão alterando toda uma cadeia socioeconômica, valorizando regiões e pequenos produtores rurais, além de trazer à luz de nossos estudos ingredientes e técnicas singulares. Por tantos méritos, nosso total respeito.
Trocando em miúdos, é nítido que a mão de obra barata sempre é algo interessante. Ainda mais num país com cargas tributárias abusivas para qualquer empreendedor.
Dito isso, vocês acham que partirá deles tal mudança? Quero acreditar, mas acho pouco provável. Assim fica fácil perceber os efeitos nocivos da glamourização da gastronomia para uma educação mais inclusiva, com novas possibilidades de nichos de trabalho.
E assim, apesar de abarrotadas de alunos, as faculdades acabam por possuir pouca representatividade na formação profissional.
O francês radicado no Brasil há dezenove anos, Emmanuel Bassoleil, vê com bons olhos o crescimento das escolas. Em 1994, ele deu consultoria na criação do curso do Senac. “Quando cheguei aqui, faltavam profissionais qualificados”, recorda-se ele, que faz uma ressalva à proliferação de faculdades. “Meu medo é que essa multiplicação resulte apenas em quantidade, e não em qualidade”.
E quem são esses profissionais que atuam na educação da gastronomia? Quais são os caminhos possíveis de estudo desse profissional? O Brasil hoje possui poucos cursos de pós graduação na área de gastronomia e somente 1 curso (privado) de mestrado! Ou seja, o professor que sai de uma faculdade com extremo perfil técnico e tem por meta a formação de novos profissionais, encontra extrema dificuldade para sua própria formação nas áreas de pós-graduação! Não fica difícil entender a triste dialética em que nos encontramos…
É urgente a regulamentação da profissão, levando em consideração suas especificidades. Mas não devemos deixar de pensar na ampliação e aprofundamento do meio acadêmico, dando oportunidade para o crescimento de outros nichos de nossa área.
Hoje não consigo conceber outras formas de mudança senão a organização de nosso setor por meios de Conselhos. Regionais e Federal. Para estabelecer finalmente um Código de Ética Profissional do Cozinheiro, por exemplo.
Ou ainda definir, nos termos legais, o limite de competência do exercício profissional, conforme os cursos realizados ou provas de especialização prestada em escolas ou institutos profissionais reconhecidos (PÚBLICO, para que o acesso seja irrestrito!).
Assim o profissional que não teve a oportunidade de se especializar em cursos técnicos ou tecnológicos da área, poderia através de uma prova de proficiência (conhecimentos técnicos) ser regularizado na profissão.
E como fazer? Acredito que o envolvimento de representantes do mercado de trabalho (cozinheiros, chefs de cozinha), da educação (professores, coordenadores de curso, diretores de instituições) e representantes de associações (ABRESI , SBGAN, APC, ABRASEL) para discutir estas questões levantadas no artigo, seja um belo começo.
Considero de suma importância não somente um diálogo mais amplo do mercado de trabalho com as instituições de ensino e associações de nosso país, como também o começo de um amadurecimento dessas instituições no que tange à formação de seus alunos e professores, para assim finalmente pensar a realidade da gastronomia com a sua diversidade inerente!
Podemos e devemos mudar essa realidade!
Por Gustavo Guterman
*Gustavo Guterman é Pós Graduado em Gestão em Segurança dos Alimentos pelo SENAC SP, Graduado em Gastronomia no centro de formação internacional Alain Ducasse Formation, Técnico em Cozinha pelo SENAC RJ. Experiência no mercado profissional, em cozinhas nacionais e internacionais, atuando como cozinheiro e chefe de cozinha em renomados estabelecimentos do segmento de alimentação e bebidas. Atualmente atua como coordenador de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense. Professor nos cursos de Gastronomia e Hotelaria na citada instituição, exercendo consultorias e palestras na área. É também autor do blog (e página) Guterman Gastronomia, que tem por objetivo a divulgação de ideias, artigos e noticias sobre o mundo da gastronomia.
https://gutermangastronomia.wordpress.com
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