domingo, 1 de dezembro de 2019

“Cozinheiro é a profissão mais democrática que existe” diz Telma Shiraishi, do Aizomê

Telma  Shiraishi comanda há 12 anos o restaurante Aizomê. Neta de imigrantes japoneses, fez medicina, publicidade e moda antes de ingressar no mundo da gastronomia.

Seu restaurante não tem placa na porta,  é pequeno, comportando apenas 50 lugares, mas a culinária japonesa dali respeita o ritmo da natureza e sua sazonalidade. A cozinheira muda o cardápio diariamente. “O maior conceito de culinária japonesa é baseado na sazonalidade e no locavorismo. Meu trabalho hoje em dia é muito mais na curadoria dos fornecedores, dos produtores, para trazer uma cadeia que tenha um sentido”, enfatiza a cozinheira.

Peixe grelhado e risoto de arroz negro com karasumi

Telma também comanda a cozinha do Consulado Geral do Japão em São Paulo, e recentemente recebeu o título de Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa pelo Governo do Japão, fruto de seu árduo trabalho em  entender todo esse conceito da culinária japonêsa e praticá-lo aqui.

Confira abaixo trechos da entrevista concedida à Infood por Telma.

INFOOD – Quando decidiu ser cozinheira?

TELMA SHIRAISHI – Eu sempre fui muito estudiosa, e meus pais queriam que eu fosse médica. Entrei aos 17 anos na faculdade de medicina da USP, realizando o sonhos deles. Sou neta de imigrantes japoneses, e havia muitas expectativas em mim, por ser a neta mais velha.

 Lá em casa, meus pais sempre cozinhavam. Nos finais de semana, havia aquelas mesas enormes de família, na casa dos avós.

Como entrei cedo na Medicina, vi que não estava preparada para certos aspectos cruéis da profissão. Sabia que não iria trabalhar em hospital, mas ainda tentei o lado acadêmico. Mesmo assim, vi que não daria certo. Era uma área muito árida, e eu começava a ficar inquieta. Faltava algo que desafiasse minha parte criativa, já que eu tinha muito forte um lado mais artístico, mais sensível. 

Entrar na cozinha foi um processo…Depois de casada e com duas filhas, por ser inquieta, fui trabalhar organizando eventos.  Aos poucos, as pessoas iam pedindo para que eu cozinhasse. Essa demanda foi aumentando cada vez mais. E assim começou…

INFOOD – Você estudou gastronomia?

TELMA – Eu sou autoditada. Naquela época ainda não havia faculdade de gastronomia no Brasil. Cheguei a fazer alguns cursos livres, mas foi tudo muito na raça.

Minha formação na gastronomia foi bem eclética. Houve fases em que eu adorava a comida francesa, depois a italiana, mas a japonesa era aquela que meus pais e avós faziam em casa.

Fachada do restaurante Aizomê

INFOOD – Quando montou o Aizomê?

TELMA – Uma prima do meu marido tinha aberto um restaurante japonês, mas viu que não era tão fácil e me ofereceu para assumir. Foi quando eu conheci o chef japonês Shinya Koike e decidimos abrir um restaurante mais tradicional, na região da Paulista, para a clientela japonesa. Isso foi no ano de 2007. Assim nasceu o Aizomê.

INFOOD – Você acredita que o brasileiro está compreendendo melhor a culinária japonesa atualmente?

TELMA – Ainda tem muito para se fazer. Hoje, no Brasil, as pessoas associam culinária japonesa com sushi e sashimi. Mas essa é uma versão americanizada da comida japonesa.

Há 12 anos, quando abrimos o Aizomê, trabalhávamos apenas sob reserva e só se falava japonês. Atendíamos consulados e japoneses. Fomos nos desenvolvendo. Depois de 5 anos o chef japonês Shinya Koike partiu para outros projetos, e fiquei sozinha. Uma mulher, brasileira, num restaurante japonês. Aí começou meu mergulho nesse universo, e tive que ir atrás para estudar, compreender. E não é só compreender a culinária japonesa. Tem toda uma cultura por trás, toda uma história, uma tradição, uma filosofia,  e um porquê.

INFOOD – Como é o cardápio do Aizomê?

TELMA – Eu mudo o cardápio diariamente. O maior conceito de culinária japonesa é baseado na sazonalidade e no locavorismo. Meu trabalho hoje em dia é muito mais na curadoria dos fornecedores, dos produtores, para trazer uma cadeia que tenha um sentido. Tem a ver com a época, com a estação. Não é que eu inovo. O pulo do gato é justamente conseguir entender esse conceito. Não é viável e nem faz sentido eu querer fazer algo 100% japonês. Isso porque o Brasil está no oposto geográfico do Japão. já tem um descompasso de estações. O clima é diferente, os produtos frescos que tenho aqui são diferentes. O meu trabalho foi entender todo esse conceito e praticá-lo aqui.

Tem a ver com respeito, com valorizar o trabalho humano envolvido. Quando eu sirvo um peixe, eu não sirvo só um peixe: tem todo o respeito pela ingrediente, entender de onde ele veio, saber onde foi pescado e por quem foi pescado.

Vieira grelhada com fois gras

INFOOD – Como define seus fornecedores?

TELMA – Eu trabalhos com fornecedores que têm a mesma sintonia de pensamento, de respeito, que têm amor pelo ofício. Meu fornecedor de peixe é o Caue Tesuto. Ele era um chef de cozinha que tinha um restaurante, e começou a se especializar em pescados. Mas ele foi tão a fundo nessa cadeia, que acabou se dedicando só a isso. Foi atrás de pescadores que praticam uma pesca responsável, sustentável, com boas práticas, que não impactam o meio ambiente e que conheçam o que fazem. Ele anda por toda a costa brasileira. Infelizmente, o que mais temos hoje em dia é a pesca predatória.

No meu restaurante, nesses 12 anos, eu nunca coloquei salmão no meu cardápio. Apesar de não gostar de salmão, eu não tenho nada contra.  Mas ele não é um peixe brasileiro, não há no Brasil. E é cultivado no Chile com métodos duvidosos. E isso vai contra a filosofia japonesa. Faz muito mais sentido eu trazer um pescado de qualidade que foram pescado de uma forma sustentável na nossa costa.

INFOOD – E como você escolhe as pessoas que trabalham para você?

TELMA – O único pré-requisito para trabalhar no meu restaurante é a pessoa ter a vontade, demonstrar interesse.  O meu trabalho é muito ligado à paixão. É preciso realmente gostar e entrar de cabeça.

INFOOD – Quais as maiores dificuldades para se empreender em gastronomia no Brasil?

TELMA – O grande desafio na restauração brasileira é a carga tributária, e toda a parte burocrática envolvida. Pagamos imposto sobre imposto. O sistema é complexo, as leis não são claras, e acabam sendo controversas. A carga tributária é exorbitante. Não tem outro país no mundo que seja tão complexo quanto o nosso. Todo o resto, conseguimos dar um jeito.

Sushis

INFOOD – Como vê a profissão de cozinheiro?

TELMA – Acredito que cozinheiro é a profissão mais democrática que existe. A pessoa não tem que ter nenhum pré-requisito, apenas ter vontade. Qualquer um tem acesso à cozinha, não importa seu background cultural ou intelectual. Infelizmente as faculdades formam chefs, mas não formam cozinheiros. Muitos jovens assistem programas de TV e ficam iludidos pelo glamour. Mas a profissão de cozinheiro é de um trabalho pesado, com muito calor, exige muita dedicação. É um trabalho físico e emocional de grande pressão.

INFOOD – Prefere cozinhar ou administrar o restaurante?

TELMA – Com certeza prefiro cozinhar. Nunca imaginei que um hobby meu viraria minha paixão e acabaria se revelando minha vocação.

INFOOD – Como foi receber o título de embaixadora da gastronomia japonesa?

TELMA – Isso foi mais um resultado de tudo que venho desenvolvendo. Por muito tempo, o que se difundiu no Brasil foi só uma parte da culinária japonesa. Nesses anos todos, o meu trabalho foi realmente focar na cozinha japonesa, que as pessoas conhecem pouco. Tudo começou quando eu sozinha comecei a buscar o meu caminho na comida japonesa. Não existem cursos profissionalizante da culinária japonesa. Não há especialistas. Eu mesma tive muita dificuldade nas minhas pesquisas e estudos para ter acesso a material em português.  Eu não sou fluente em japonês. Tive que me virar para me aprofundar nisso.

A espiritualidade japonesa está muito ligada à culinária. Respeito, gratidão faz parte da cultura oriental. Quando eu consegui juntar tudo isso e ter esse sentimento, fazendo um trabalho próprio, com a minha marca, mas dentro da culinária japonesa, isso acabou chamando a atenção do Japão. Comecei com o meu restaurante para o público japonês, até que há 2 anos veio o convite para eu assumir a cozinha oficial do Consulado do Japão, e este ano recebi o titulo de Embaixadora.

Telma Shiraishi

INFOOD – Fale do projeto da abertura do novo restaurante?

TELMA – Tenho meu restaurante há 12 anos nos Jardins, perto da Paulista, e agora estou abrindo uma filial dentro da Japan House. A casa mãe é mais fechada, sem placa na porta, menor, com um ambiente mais intimista, e onde é oferecida uma culinária mais autoral. Na Japan House, por ser um centro cultural que tenta trazer para o público um Japão mais contemporâneo, mais conceitual,  o novo restaurante é mais despojado, seguindo uma linha clean, minimalista, meio zen . E como o público é maior, mais amplo, vamos trabalhar muito a questão da sustentabilidade, dos 3 R (reduzir, reutilizar e reciclar). Eu aboli as embalagens de plástico, de isopor, diminuímos ao máximo o desperdício, fazemos um aproveitamento integral dos alimentos, só trabalhamos com fornecedores orgânicos, e com a pesca sustentável e responsável.

INFOOD – Que conselho daria de uma de suas filhas quisesse ser cozinheira?

TELMA – Tenho duas filhas, uma de 22 e outra de 16. O caminho é o mesmo que eu tomei. Precisa ter interesse, dedicação e paixão. Como  é uma profissão muito desgastante, sem a paixão, é muito difícil. E também aconselharia a buscar a sua própria expressão de sabor.

INFOOD – Que comida mais gosta de comer?

TELMA – Eu gosto de comer um bom pão de fermentação natural e de farinha integral.

Ambiente interno do restaurante

Aizomê

www.aizome.com.br
Alameda Fernão Cardim, 39 – São Paulo – SP
Tel: (11) 2222-1176
WhatsApp (11) 94247-9277
Email  aizome@aizome.com.br

Aizome – Japan House São Paulo

Avenida Paulista, 52 – Bela Vista (2º andar)

https://www.japanhouse.jp/saopaulo/restaurante/index.html

Por Redação
Fotos: Rubens Kato / Divulgação

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